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tomorrow comes the today

o que oprime não pode ser omitido | tem alguma coisa errada com o mundo ou a órbita da terra dá voltas pela imaginação | um grand tour pelas mentes nesse instante revelaria uma enorme discrepância entre o que se quer e o que é preciso sacrificar | uma escolha não basta | definir uma posição, assumir uma jogada, perder a aposta e ser triturado pela inocência | a música só termina quando começa a próxima | e o mundo nunca acaba | as chances são ponderadas pela casualidade | uma camada atravessa a debaixo | afinal, por onde anda você agora? | não me diga, eu já sei, você continua com a mesma fixação pelos cabelos | mas tinha a outra, lembra? | não, não foi por isso | acabou porque a gente não descobriu o sentido da vida juntos | o fim nasceu muito próximo do começo | é tão mais simples alcaçar a perfeição longe da espiral do amor | ela que conduz as estrelas aos montes, não precisa mais de verbos, mas de silêncio, o seu.

sAcola cHeia



"Um homem viaja o mundo à procura do que ele precisa e volta para casa para encontrar."

Muito bonito, George. Aí você chega em casa e não tem mais pra onde ir. Sua cabeça está cheia de idéias, seu facebook fala várias línguas, e os velhos amigos não entendem mais as suas piadas. Sem contar na família, que ainda não sabe que você voltou até com um Deus diferente.

A grande verdade é que você sempre se sentiu um outsider e de alguma forma acreditou que sendo um forasteiro de verdade faria você se sentir em casa. Por mais absurdo que isso pareça, é exatamente o que você precisava. Nada como andar pelado pelas ruas de uma cidade sem ser notado. Sentir novas cores, cheiros e lugares. O contraponto inevitável. Nada como levar uma mulher pra cama sem ter que dizer a ela como você paga as contas, que aliás estão atrasadas. Vê-la partir lânguida na manhã seguinte, seguinte (a mulher, não as contas).

Então você abre os olhos para novas maneiras de viver. Um sopro de liberdade que te desperta para este novo encontro, o agora. Com o futuro incerto e a mente aberta, tudo passa a ter sentido, principalmente o banal (ou basicamente). Perder-se no caminho de volta pra casa, a foto tirada no escuro. Uma chave enferrujada que você achou sob a mureta no bairro dos artistas. São todos sinais importantes que mostram quem você realmente é. Finalmente você está descobrindo a verdade sobre si mesmo, que o leva a estágios de felicidades inebriantes. O sentido da vida embalado num casaco de inverno comprado numa feira de segunda mão. O que mais você esperava?

Talvez aterrizar no ponto de partida. A óbvia turbulência de toda a viagem, observar o passado voltar em passos mancos nos olhos de quem mais o ama. O momento de abrandar os superlativos, trocar de pele. Alinhar-se pela segunda vez. Agora você entende mais uma coisa, não porque era preciso, mas porque você tinha que encontrar.

oN / oFf


foto: Amy Stein

João é um cara on. Faz tudo pela internet. Sem hesitar. Trabalha online. Faz compras online. Faz amigos online. Sexo online. Lê as notícias online. Até a academia é online. Tem facebook altamente ativo. Twitter por minuto. Tem um flickr de fotos tiradas da net. Usa o telefone online. Joga online. Não sai de casa. Não precisa. Abre a janela uma vez por dia para a sua ativação diária da vitamina D. Sim, João é bem informado. Virtual haircut também é com ele.

Mas um dia, João parou de receber e-mails. Nas três contas. Nem spam chegavam em sua caixa postal. No começo achou que era a conexão. Não era. Pensou que fosse alguma sacanagem de um amigo Geek. Não era. No dia seguinte, também não conseguia entrar no seu facebook. O voip também não funcionava agora. Um a um, tudo ficou offline. João estava sozinho outra vez. Já não sabia mais lidar com uma vida offline. Achava retrocesso. Não sabia andar na rua. Pegar um táxi. João esquecera o caminho dos lugares. Como se dava os passos. O ritmo das horas a fio. Não conseguia dormir. Reconectava. Nada. Devorou de novo a bíblia C++, Java, etc. Até Pascal ele tentou [o alcorão da programação]. Nada. Apenas um site em todo o universo online ainda funcionava, www.suicidioonline.com. E para ativá-lo bastava uma senha.

Então João fechou os olhos e meditou por 3 dias, sem beber nem comer. No quarto tomou sua decisão final. A senha era óbvia: Crtl + Alt + Del.

pApo dE mAscar


fotografia: Toma01 (flickr)

- Olhe para este copo. Vês uma metade vazia ou uma metade cheia?

- Não sei, às vezes uma metade é só uma metade.

aChado dE pErdido


Se você é como eu, já se lamentou por milhares de coisas que perdeu. Na hora foi uma tragédia. Mas depois de um tempo, coça a cabeça e pensa: não é que foi melhor assim?

Hoje perdi as horas. Ontem, a noção do tempo. E amanhã posso perder o dia. No fim, talvez perder seja a condição necessária para encontrar outra coisa [o tio Aristóteles já deve ter dito isso]. O que só se descobre quando de fato a encontra. A mesma história de quando se perde. Você só se dá conta na hora que precisa. Ou na hora que perde ainda mais. Mesmo já tendo perdido há mais tempo.

E tem sempre alguém que diz aquela frasesinha estridente, que dói só de pensar: "daqui a pouco você vai perceber que foi melhor ter perdido isso para encontrar algo melhor". Não que isso traga algum consolo. Muito pelo contrário. Mesmo sabendo que de fato é uma verdade e já aconteceu antes. Mas é muito. Muito difícil perceber quando ainda não se encontrou a tal outra coisa. O que fazer então? O jeito é fazer como o nosso saudoso D. João VI quando ele não sabia o que fazer. Fazia nada. E encontrou a solução onde menos esperava. No Brasil.

eNergia vItal


É o seguinte, só tenho 5% de bateria no laptop. Estou confortável na minha cama e não vou recarrega-lo para continuar escrevendo. Já são 4h da marugada e a bateria da minha consciência também já está no fim. Não vou revisar o texto também. Ah, mais um detalhe, não faço a menor idéia sobre do que vou escrever. A não ser o fato da bateria estar acabando. [3% agora]. Contagem regressiva.

Imagina se nós também tivéssemos um timer parecido da nossa vida? É, olha que legal, você saberia exatamente quanto tempo ainda resta de vida. Sua energia vital. Uma criança de 10 anos teria normalmente 90%. Tranquilo, pode até esquecer o contador e ir jogar bola na rua sem preocupação. Mas quando chegar aos 30 anos e olhar 60% no timer, o bicho pega. 40 anos com 40%. Ihhh, o encontro inevitável.

Mas pode ser divertido. Por exemplo: "olha, não dá pra ir na sua casa, tenho só 50% e não quero perder tempo com chatices". Ou. "Então, você ainda tem 70% aí, os 0,00001% de hoje à noite não vão te fazer falta. Bora?". Para aumento de salário é uma boa, "chefe, depois de 25% de trabalho duro na firma, acho que mereço uma promoção". O problema é quando chegar aos 80%, 90%. Aí tudo fica mais regulado [só restam 2% de bateria, esse post vai acabar do jeito que for]. Voltando, com 95% de bateria cada garfada daquela feijoada de sexta-feira acaba sendo a melhor feijoada do mundo. Cada beijo é o melhor beijo do mundo. Isso para os otimistas, claro. Para os pessimistas seria como acordar todos os dias no corredor da morte. Esses quando chegam aos 65% e percebem que não realizaram nada de importante nos outros 45%, entram em depressão por pelo menos 10%.

[1% de bateria]. Ah, outro detalhe importante, um apagão pode acontecer a qualquer mom

qUiz



Responda rápido. O que você prefere, perder um olho ou uma perna?

Fizemos essa enquete durante o almoço de domingo com amigos e foi uma questão difícil de resolver. Mas depois de muita discussão e reviravoltas, o olho ganhou. Portanto, a maioria preferiu continuar dando os seus pulinhos ao invés de fazer o canguru perneta literalmente.

Mas quando os cabelos entraram na disputa, a coisa ficou mais complicada. Muitas mulheres prefeririam perder o olho aos cabelos. Óbvio.

Outras do gênero:

Prefere perder o amor da sua vida ou a memória?
Prefere perder a liberdade ou a vontade de viver?
Prefere cair no esquecimento ou perder a fé?
Prefere perder a casa ou a amizade o seu melhor amigo?
Tudo bem, uma mais leve: prefere perder a audição ou a fala?

Para terminar: prefere ganhar 10 milhões de euros ou 10 anos a mais de vida?

Segundas-feiras são assim, difíceis de resolver. E normalmente deixamos para as terças.

uSe e aBuse dOs óCulos


Você usa óculos? Se não usa, deveria. Se usa, continue usando, por favor. Hoje, um par de óculos salvou a minha vida e amanhã pode ser a sua. Tudo bem, eu não iria morrer de verdade, mas provavelmente estaria com um olho a menos agora [ou um olho de vidro a mais]. Não importa se você é gordo, magro, tem orelhas cumpridas ou um rosto quadrado demais. Há um par de óculos perfeito esperando por ti. E que um dia pode ser o seu herói. Foi o que aconteceu comigo. Já explico. 



Era plena tarde de sábado e após uma longa manhã de sono, estava eu em pé às 14h para começar o dia [ou terminar, o que tem acontecido com certa frequência]. Enfim, a grande idéia foi limpar a casa. Sim, se você a visse entenderia. Aproveitei que minhas companheiras de apartamento tinham ido para a Itália passar a Páscoa e fui fazer o serviço sujo do feriado santo, literalmente. Comecei pelo banheiro. Duas horas, 30 minutos e 1L de cloro depois, a casa de banho [banheiro em Portugal] estava mais limpa do que nunca. Ok, exagerei no cloro e os meus olhos arderam um bocadinho [ok, muito]. O primeiro sinal do que estava por vir. 



Em seguida foi a vez da cozinha ganhar uma atenção especial do meu espírito doméstico pascoal. Mas ela merece, o ambiente mais frequentado da casa e o mais interessante também. Mas há 3 semanas que ninguém cuidava dela com o carinho merecido. Entretanto, este sábado a minha cozinha mostrou toda a fúria de um amor abandonado. Primeiro foi o chão, 20 minutos para remover a camada extra de gordura. Tá bem, exagerei. Mas é que chega um momento que você se acostuma com a sujeira e pensa que ela faz parte da decoração da casa [ou da sua vida]. E aquela luz amarela alaranjada pregada no teto baixo não ajuda muito o nosso senso de limpeza. Mas enfim, o chão foi guerreiro, quase implacável [respeito isso], mas a fúria do meu rodo falou mais alto. E um brilho mágico, porém singelo do chão amarelado começara a despertar. Mas afinal, o que os óculos tem a ver com tudo isso? Calma, já chego lá. 



Depois do chão, foi a vez do fogão. O curioso é que acima dele, há uma chaminé construída para fazer a função de exaustor. Não vou conseguir descrever em um post a sujeira acumulada nas paredes daquele buraco. Mas para a nossa sorte [ou azar, nesse caso], há uma grade de metal que não deixa a sujeira cair. Não que eu tenha visto nada cair sobre a comida, mas às vezes não fico contente com o meu refogado de legumes. Será? Bom, afastei o fogão para limpá-lo melhor e quando me viro para pegar o spray multiuso, a grade despenca no chão. Até aqui tudo bem, ninguém ferido. Mas quando fui colocar a grande de volta no seu prego, eis que encosto a bendita em dois fios descapados da antiga luz que ficava ali. Shazammmm!!!!!!! Curto-circuito. Um trovão estourou bem na minha cara. Não deu tempo nem de piscar. A luz da casa inteira apagou. Tudo preto.

Não conseguia me mexer e imaginei o estrago na rede elétrica do bairro todo. E considerando que já inundei a apartamento do vizinho de baixo, que é o presidente da junta de freguesia, estaria frito, literalmente. Em seguida liguei o disjuntor para reacender as luzes. Ufa, funciona. E para minha surpresa, desespero e alívio [tudo junto], a lente esquerda dos meus óculos estava preta e lascada. Wow. Meus óculos me salvaram de uma monocegueira. Sentei na cadeira e refleti meia hora em como seria a minha vida sem o olho esquerdo [tudo bem que é o olho que enxerga menos, mas a minha vida sem ele seria bem menos agradável].

Depois de tudo, limpei os óculos, segureio-os com a ternura de um pai recém-nascido e por alguma razão, lembrei-me de um trauma de infância: estava eu com 11 anos [já usava óculos desde os 7] numa aula de ciências, quando o professor, um senhor de 40 anos, com uma barba negra bastante assustadora e que atendia pelo nome de Tironi, chamou-me de “4 zóio” no meio da aula, para que eu prestasse atenção. Todos riram, foi foda. Marcou a minha quinta série. Hoje dei graças a Deus por ser 4 zóio. Melhor 4 zóio do que três, não?

Enfim, cheguei a uma conclusão bastante plausível do acontecimento: sinais. Sim, como naquele filme do Mel Gibson, dos ets e tudo mais. Todos os incidentes da vida daquelas pessoas aconteceram para que no momento decisivo [no caso a invasão dos ets], a Terra pudesse ser salva. No meu caso, tive que usar um par de óculos durante 19 anos para salvar o meu olho esquerdo. Valeu a pena.

Conclusão 2. Quer um conselho? Use filtro solar, mas não se esqueça dos óculos. Fortes emoções para uma tarde de sábado, e como dizia o Rei, “não tire esses óculos, use e abuse dos óculos”.

aMigo fIel


Encontro
- Xavier!
- Machado!
- E aê, tudo bem?
- Correria, Machado. Essa mulherada é que não me deixam em paz.
- E você?
- Namorando ainda. Sabe como é.
- Ih, é o seu talento.
- Conheço um boteco bom aqui perto. Cheio de gatinha. Bora.
- É que a... tudo bem, uma cerveja.

Boteco

- Então, tô saindo com 3 ao mesmo tempo. Loucura. 

- É mesmo?

- Olha olha. Ali no balcão. Não pára de olhar. E é pra você, Xavier.
- Não.
- É é. Ah, não se faça de bobo, homem. Mas é assim que elas gostam. Vai lá.
- Mais tarde.
- Ihhh, qualé, Xavier.
- É que...
- O que, vai me dizer que esperou sair da faculdade pra virar bicha?
- Não é isso.
- Então?
- É que. Tudo bem, vou contar.
- Lá vem.
- Eu sou fiel.
- Ahhhhh?
- É isso mesmo, Machado. Eu amo a Sabrina, estamos bem. Não quero outra mulher. Pra que fingir que eu gosto de todas se eu gosto só de uma? Sou fiel e acabou.

[Silêncio]

- Sabe, Machado. Eu também.
- O quê?
- É isso mesmo. Eu também sou fiel.
- Você?? Rá. O grande Xavier, pegador-mór. Terror das minininhas desde o colégio.
- Era tudo fachada. Eu sempre fui louco pela Beatriz.

- Não acredito. E essa história das 3 ao mesmo tempo? E aquela loira que subiu no palco na formatura e que depois foi parar na sua casa?
- Não aconteceu nada. Não conseguia parar de pensar na Bia.
- E cadê a Beatriz?
- Se casou.
- E você?
- Continuo fiel.

- Garçon, mais uma.

fRase dE mAscar®

Home is not where you live but where they understand you.
Christian Morgenstern







Guinness Storehouse, Dublin 2009.

Mais frases de mascar: www.frasedemascar.blogspot.com

bUruá, o julgamento final

Resuminho da novela: julgamento do vilão da novela. Eu, um dos figurantes. Meu primeiro trabalho na cena artística de novelas televisivas [e provavelmente o último]. Já expliquei o título no episódio II. Deixe de priguiça e leia-o [isso mesmo, priguiça é com ‘i’, não ‘e’. Rá, te peguei].

Olha quem apareceu, a Escrava Isaura [não é a Lucélia Santos, mas uma das atrizes que trabalhou na novela brasileira mais internacionalmente famosa. Para quem não conhece: http://www.youtube.com/watch?v=c7XpRLtc9w0], está em Portugal e acabou de sentar-se ao meu lado. Ela é uma das testemunhas da novela, casaco de pele, chiclete mascado [desculpe a autoreferência], perfume francês, ou chinês, difîcil de saber hoje em dia, muito laquê na cabeça e um salto alto muito alto, cara, muito alto. E o pior, ela se parece a irmã da namorada do Akeen no filme Prince Akeem, ou simplesmente Um Príncipe de Nova Iorque, no nosso bom português [vale a pena rever: http://www.youtube.com/watch?v=pKYl6y8qGqw]. Ah, esqueci de dizer, na novela ela se chama Maria.

Opa, pediram mais buruá. Lembra o que é? Isso, fingir que estamos cochichando com o colega ao lado por causa de algo bombástico que ocorreu. Essa é a melhor parte.

Ixi, a Maria não pára de tossir. “O tempo que a gente passou giro lá em África”. Um mini-buruá agora. O contra-regra está com uma expressão estranha, vai falar alguma coisa: “Pessoal, peço que aguentem [o novo acordo ortográfico matou o trema, ainda bem, era um saco procurar a bagaça na word] só mais 5 minutos SFFVR [tradução: Shifazfavoire]”. Só mais 5 minutos? Estou quase desistindo do cachê para ir embora mais cedo. Agora eles querem reações de toda a gente. Vamos trabalhar figurantes. Os verdadeiros operários do entretenimento. Ação. Corta. Ação. Corta. Putz, assim não dá, a tiazinha tem 2 falas curtas e não dá conta de decorar o textículo. Respira e inspira... Bom, enquanto ela decora o texto eu vou explicar o que está acontecendo. A lavadeira do acusador é a Escrava Isaura ao meu lado, que engravidou dele no passado. E um tal de Major Gordo que salvou ela da Guerra de Angola, mas infelizmente o bebê não resistiu. Entendeu? Ah, não consigo parar de bocejar e o brazuca ao meu lado só fala de comida.

o Almoço
Demorou mas chegou, hora de rangar. Todos saem correndo seguindo o cheiro da carne mal passada que flutuava no ar [o cheiro, claro]. Até que a aparência da comida era boa. Mas o gosto. Ah, o gosto. Adivinha? Isso, hospital. Nessa altura do campeonato, digo, julgamento, qualquer proteína serve. Cá entre nós, suspeito que os condenados comem melhor que os figurantes. Ok, a sobremesa era boa. Pudim de leite. Depois café, cigarros, mais conversa com meus novos amigos e volver.

A advogada está discursando sobre a cliente. “É uma mulher frágil e aterrorizada e obstante a isso ela se arrependeu do que fez”. O mais surpreendente dessa novela é um tiozinho que segura o microfone ambiente na ponta de uma vara muito comprida. Os braços dele não páram de tremer, mas ele continua lá. Firme. Cinco metros de vara esticada com um microfone de 2 quilos na ponta. O dia inteiro assim. Recolhe a vara, estica a vara. Não pode balançar. Clap, clap. E eu reclamando de ser jornalista. Mas também não é fácil anotar e anotar. Olha a câmera, quer dizer, não olhe a câmera. Vou aparecer de novo, êêêê. Alô mamãe. “Não sabes o que dizes”. Não sei mesmo, só estou autorizado a falar no buruá e tem que ser baixinho. “Quando quiseres, 3,2,1, ação.” Mais reações. Buruá, buruá, chuvas de buruá. Pausa, momento de tensão. Parece que há algum delay entre o contra-regra e a galera do furgão. Pronto, ligaram o gelo seco no talo. Fumacinha dramática para o veredicto. Opa, vai acabar, uhuuu. Vamos ouvir: “Sara Maria das Dores Fernandes Gertudres da Costa Ferreira [esse é o nomezinho dela], a senhora é culpada por tentativa de homicídio e será condenada a...”, ah? O quê? O brazuca me cutucou de novo para mostrar uma mulher do outro lado da platéia. Perdi o veredicto. Putz! E nem era tão bonita assim. E agora, não vou conseguir dormir em saber quantos anos ela pegou de xadrez. E pra finalizar, ouvi o contra-regra falar para o diretor: “está feito, seja o que Deus quiser”.

É, acho que o meu primeiro dia de ator co-co-co-co-adjuvante fica por aqui. E como diz uma amiga epanhahola
“Es una experiencia, ¿no?”. Bom, vou lá pegar o voucher do meu cachê, despedir-me dos meus amigos figurantes, dar o msn errado e voltar à realidade. Se é que isso existe.

bUruá, ato II

Resuminho do episódio anterior: fui fazer um trabalho como figurante numa telenovela, o primeiro da carreira [e provavelmente o último]. O episódio se passava num julgamento. Intrigas, confusões e reviravoltas. E nós figurantes assitíamos a tudo de camarote. Ah, e tem o título que ainda não expliquei. É para dar um mistério, sabe como são as novelas.

10h30
Atenção às falas dos atores: “acha-se uma mãe extremosa e uma mãe exemplar ou tens telhado de vidro?” [imagina o que ela respondeu?]. Outra, “Enquanto nós estivemos juntos, desliguei-me a ele por completo” [sabe quando você fica procurando a profundidade na frase? Então]. “Silêncio no tribunal”. Olhando para esse tribunal make up lembrei de já passou pela minha cabeça ser advogado. E não é à toa, adoro filmes de tribunal, com todas aquelas disputas de oratória, investigação, surpresas sem fim, o advogado fodão cheio de cartas na manga, e claro, a expectativa do veredito [opa, fugiu o “c”]. Mas ainda bem que não escolhi advocacia, porque o direito tupiniquim e também o lusitano não têm nada disso. Aqui impera o direito Romano [constitucional, burocrático, chato]. E apenas em ocasiões muito especiais, como homicídios, é que eles montam o teatrinho com júri popular e o caraças. O outro lá chama-se Comon Law, não tem constituição, é uma festa, mas a bagaça funciona, até demais. Uma vez li que um ladrão estava no telhado de uma casa e a telha quebrou. O ladrão caiu, fraturou a perna e depois processou a dona da casa. Na Alemanha todo mundo tem um advogado pago mensalmente. Igual TV à cabo. E você ainda pode escolher se quer depósito automático ou boleto bancário. Sucesso.

Que saco esses atores de novela, erram toda hora. Alguém precisa implementar [ou seria implantar?] um programa de optimização do tempo e um outro de memorização para os atores. Estou aqui há 3 horas e ainda não passaram de 10 falas. Vamos gente, a fome está apertando e eu não pretendo ficar aqui o dia todo a esperar o talento de vocês chegar. “Quem está em julgamento não é a testemunha”. Mais essa. Cara, é o meu estômago que está em julgamento aqui. Ahhhhh que fome. Hora da pausa. Será que já tem rango?

12h30
Putz, nem cheiro da comida. Mas vi uns porcos pretos alantejanos passando ali fora. Bom sinal. Opa, a câmera está apontando pra mim, vou aparecer na tv. Alô mamãe. Estão filmando uma atriz que sentou do meu lado, não sei o nome dela mas fiquei ela trabalhou na novela A Escrava Isaura, olha que sucesso. 1, 2 e ação, muita tensão, estou nervoso. “Uma amante que a espancava”. Estão falando de mim? Putz! Eu nunca espancaria minha amante, nem minha mulher, nem ninguém. Ninguém é exagero, mas ninguém que não merecesse. É, não ajudou. Eu não fiz nada, sou inocente. “Foi uma missão quase impossível…” Putz, olhei para a câmera. Será que vão me despedir? É que está muito perto, não resisti. Ninguém viu. Agora pediram pra gente fazer um buruá. É a reação do público, comentários e tal. O nosso famoso zum-zum-zum. Daí o título. Pensei em explicar isso só no final, mas prefiro o jeito europeu de contar histórias.

Lembra da família dinossauro? Então, a atriz principal da novela é uma figuraça de 200 anos e uma mistura da mãe do Dino com Derci Gonçalves. Simpática. Já comentei que o motorista que nos trouxe também é um dos figurantes? Pois é, mas ele tem um papel melhor. É o guardinha do tribunal e amigo do carinha da produtora. Portanto, o cachê dele é maior que o nosso [a vida imita o filme. No caso, novela]. Tudo bem, o motorista é boa gente, um português da região de Saloio e que já está nessa carreira [de figurante] há não sei quantos anos. Disse também que é surfista [se é de verdade eu não sei]. Ele contou que uma vez teve que fazer o papel de amante num scketch de terror. Uma cena com muito sangue, sexo, morte e tudo mais [ou menos]. Beleza. Um dia estava ele, a mulher e os cunhados num restaurante, e para a surpresa geral, o scketch passou na tv. Todos riram, claro. Mas ele ficou todo vermelho e quase fugiu para debaixo da mesa. Rá, se fosse no Brasil o sujeito subia na mesa e gritava bem alto: oiá eu ali na tv! Sou eu, oiá. Eu tô na tv [seguido de uma palmada forte no peito]. É diferente.

Meu Deus, olha quem apareceu…

*ah, gostou da expectativa no finalzinho? Estou ficando bom nessa história de novela.

bUruá - ato I

Hoje foi a minha primeira experiência como figurante de telenovela. Êh! Na verdade é a minha primeira vez em qualquer tipo de figuração, pelo menos que pagasse cachê. Ainfal, quem nunca pagou de curioso em reportagem da Globo? Daqui a pouco explico o título, calma.

Mas nem tudo são flores [ou melhor, não tem flor nenhuma]. Daqui a pouco você vai entender isso também. Bom, pra começar o horário é ingrato, 7h30 da madrugada foi o combinado para chegar no ponto de encontro. Uma churrasqueira no Campo Grande. Putz! Foi o que o carinha da produtora me disse pelo telemóvel no dia anterior. É, você tem que ir numa produtora especializada nesse tipo de serviço, levar um retrato e uma foto de corpo inteiro, preencher uma ficha e esperar alguém te ligar.

Ligou ontem. Tô sim, ah tá, 7h30 lá, né? Ok. Até já. Churrasqueira o quê? Tum, tum. Rá! Pra variar, fui dormir às 3h47 da matina no dia anterior. Adivinha a hora que acordei? Isso, 7h30 em ponto. Pulei da cama e voei para o táxi. Só nessa brincadeira gastei 5 euros e 15 cêntimos do meu cachê [o que já representa 20% do montante]. Mas não podia faltar logo no primeiro dia. Foda. No caminho o carinha da produtora ligou umas 3x para saber se eu viria. “Tô chegando, o taxista que errou o caminho”, seguido de um sorriso amarelo para o tiozinho do táxi. Nem vou comentar a cara que ele fez. Fazer o que, a vida é dura. Cheguei na churrasqueira, entrei na van e simbora para o estúdio. É em Lisboa? Perguntei inocentemente. O carinha apenas sorriu e disse, é sua primeira vez, não é? Sim, é.

Segue a viagem ouvindo 20Km de conversa do carinha da produtora dizendo para o motorista que ele [o carinha] tinha surfado ontem pela primeira vez e já conseguiu ficar em pé na prancha, pegar altas ondas e ainda faturar a gaja que estava dando mole pra ele na praia. Rá!

No estúdio
Oito e trinta da manhã. 18 figurantes sem pequeno-almoço e uma máquina de café que dava medo pelo acúmulo de ex-cafés. Uns se arriscavam, principalmente os mais novos, outros não. Eu sim. Meu olhos estavam inchados de sono. Conversa aqui, conversa ali, afinal tinha que descobrir como funcionava esse mundo quase artístico da figuração. Todos ali já faziam isso há algum tempo. Uns eram figurantes profissionais, com curso e tudo mais [brincadeira]. A maioria eram aposentados, estudantes e pessoas com trabalhos flexíveis [entenda como quiser]. Chega o contra-regra para nos dar os papéis e explicar como ia funcionar a bagaça. A cena era o julgamento do vilão da novela. E nós seríamos a platéia, uns policiais, outros fotógrafos, outros apenas platéia e outros, como eu, jornalistas. Ganhei um bloquinho de papel, uma caneta e um sorriso forçado do contra-regra.

Chegou a hora. Entramos no set, onde estava montado o tribunal. Nota 5, na minha avaliação. Mas como ainda não sabia direito o nâipe da novela, achei melhor não comentar a decoração do lugar [tudo tem o seu público, não é?]. Na frente da platéia tinha uma mesa grande em formato “U” com os atores já a postos. Sentamos em nossos lugares e ação. Basicamente o que tínhamos que fazer era fingir que anotávamos o que se passava em cena. Então comecei a escrever este post. Pelo menos ser jornalista serviria para alguma coisa [que ironia]. Opa, escutei a palavra amante. É melhor prestar um bocadinho de atenção. Entendi, o réu é a mulher do vilão da novela, que está sendo acusanda de tentativa de assassinato porque empurrou o marido do elevador. Mas ele sobreviveu, claro. Fingiu que estava morto e apareceu na novela um tempo depois para a surpresa dos fãs [que também são testemunhas, mas pelo menos não precisam sair de casa às 7h30].

Pausa, outro café e muitos cigarros. Dez minutinhos de conversa com meus novos amigos. Bora voltar, pessoal. Gravando. Sentada ao meu lado, uma tiazinha espiava minhas anotações e ria o tempo todo enquanto mascava chiclete de boca aberta. O cabelinho dela era laranja na altura dos ombros, mal penteados. Rosto queimado de sol, e se não fosse pela arcada dentária peculiar, jurava que ela era a irmã do nosso saudoso Zacarias - pra quem ainda não conhece, http://www.youtube.com/watch?v=hciCWpKUC9k. O que você tanto escreve, ela perguntou. Ah… é para o meu blog, respondi. Eu também tenho um blog, de artesanato, respondeu. É mesmo? Sim, mas faz tempo que não atualizo. Em seguida anotou o nome do blog no meu bloco. Juro que procurei depois, mas não encontrei nada com aquele nome. Até tentei pesquisar assim no google: artesanato +irmã do zacarias. Nada também.

Bom, vou prestar atenção no julgamento. “Eu sempre fui uma mãe exemplar”, disse o réu. Essa novela é popular. Apenas cinco mentros e um cercadinho de madeira é a distância que nos separam de alguns atores famosos da TV portuguesa. Não reconheço nenhum. Engraçado, provavelmente tomei café há pouco com o Tarcísio Meira português achando que ele era mais um profissional com horários flexíveis. Rá! Se fosse no Brasil não deixariam chegar nem perto do segurança. Apesar de nunca ter sido muito ligado ao elenco global, seria interessante trocar uma idéia com um Raul Cortês da vida [quando ele era vivo, claro]. Agora, conversar com o povo da Malhação não deve acrescentar muito. Opa, o contra-regra mandou parar tudo. Problemas técnicos. Derrubaram a câmera. Corta! Quer dizer, quebra! Ah, ele é careca [o que isso tem a ver, né? Mas não deixa de ser a maior referência dos carecas, fazer o que]. Cinco minutos depois voltam a contracenar. “Uma mulher perfeitamente normal” disseram. Pensei comigo, tudo bem que ela está tentando se defender, tem todo o direito, mas afinal, uma “mulher perfeitamente normal” é uma coisa boa ou ruim?

9h30
O jornalista do meu lado, um garoto de 19 anos, parece um cafetão dos anos 50. Franja nos olhos, jeans rasgado, casaco de couro preto, corrente no pescoço e óculos escuros tipo aviador. Toda hora vez que passa uma mulher ele me cutuca com o cotovelo, faz uma cara de Latin Love e solfeja um nooossa, meu deus. Enquanto isso no tribunal, “um verdadeiro monstro, um Adasmastor”. Pô, Adamastor é bom, não é? Pelo menos o que tem em Lisboa é óptimo pra tomar uma cerveja no final da tarde. Galerinha alternativa, pá. Vale a dica. Mas monstro mesmo era o italiano que morava em casa, nós o chamávamos assim pelo jeito delicado de comer. Saudade do Michele. Abração, velhinho. Neste momento ele está no Brasil, em Ilha Bela, com a namorada brasileira. Ele que faz direito e sou eu que fico no tribunal. Outra ironia. “Corta só um bocadinho”, disse o contra-regra. Pô, o carequinha é exigente.

Continua…

*Eu sei, ainda não expliquei o título. Calma.

iNsônia


Desde que cheguei em Portugal não consegui dormir antes das 2 da madrugada. Não sei porque. Na primeira semana achava que era por causa do fuso horário. Normal. Mas as semanas foram passando, os dias foram encurtando e pronto. Dormir antes das 2h, nada feito. O mais engraçado é que apesar de Portugal ter um ritmo mais devagar que o Brasil [eu atropelo uma velhinha por dia aqui na rua], na terra de Cabral o dia parece mais curto. Em compensação, o sol Lusíada, a luz, tem qualquer coisa de especial no fim-de-tarde [minto, tem muita coisa de especial]. Talvez seja o preço, sei lá. 



Não importa se é segunda-feira ou domingo [principalmente domingo], o dia é pouco. Então durmo com uma sede das horas fudida, sentindo culpa de não ter feito tudo. É incrível, sempre escapa alguma coisa, um jornal que não li, uma conversa que faltou, uma idéia que não saiu. E quando acaba um dia já tem outra na fila. Viu aquele filme ontem, ótimo. Não viu? Hoje é a vez do livro. Não sei como se chama isso, é como uma insônia ao avesso. Uma programação em looping sem revisão. E em cada piscada aparecem mais hiperlinks para conferir. Uma coisa leva a outra que leva a outra que leva a outras [nem sei se esse tanto de “a” levam crase]. 



Isso tudo até às 2h da madrugada, é o limite. Às vezes até às 3h, 4h, claro. Depende. Mas o dia seguinte é religioso, 8h em pé. Tudo bem, 8h30 [mas sem pequeno-almoço]. Fim-de-semana, meio-dia. Aí é complicado, porque acordar meio-dia significa que sobrou apenas o outro meio dia. Aí tem que ficar acordado até mais tarde ainda para compensar. Percebeu o drama? Agora, por exemplo, são 02h51. Nem sei se vou conseguir terminar este post hoje, já passou das 2 da matina. Mas se não for agora vai ser quando?


Be conclude…


Rá, dormi. Agora são 13h56 do outro dia, e é claro que tinha outra coisa pra fazer nesse momento [lembra aquela história da fila?]. Paciência. Então, alguém podia inventar uma máquina do sono, heim? Imagina, bastava passar 1h lá dentro para ganhar 8h de sono limpinho. Lindo. Ou 10h ou 12h, dependo do modelo da máquina. Tem umas até que fazem bronzeamento artificial e rejuvenescem a pele ao mesmo tempo [nada provado cientificamente até agora, claro]. Mas o filme publicitário desse modelo chupou a idéia do filme Benjamin Button]. Normal. Tem também o modelo de 12h, mas é muito caro, nem adianta sonhar. O de 8h está ótimo e é fácil encontrar de segunda mão com um precinho camarada. Mas cuidado, se perceber que a máquina foi pintada ou faz um barulho esquisito, esquece, estão querendo passar a perna em você. E vender depois é foda. Ah, cuidado também com o modelo japonês, para encontrar peças também é foda.



Bom, se você souber de uma bem conservada me avise, por favor. Se eu não puder comprar, alugo, já tem um monte de gente fazendo isso. Mesmo aquela primeira versão que faz 8h em 1h30 [o lote teve recall porque as pessoas estavam perdendo tempo com 30 minutos a mais] . Tudo bem. O que é meia hora pra quem tinha que dormir 5h ou 6h todos os dias? 



Agora sério, será que ninguém teve essa idéia antes? Vou procurar o e-Bay. Só um minuto. Putz, ainda não. Mas achei um triturador de ossos baratinho de um alemão de Frankfurt. Bom, se ninguém inventou ainda essa máquina do sono eu mesmo vou patentear a idéia. Vai que o Steve Jobs lança o iSleep junto com a 3º versão do iPhone este ano? Ou pior, o Bill Gates lançar o Sleep Hour Plus 3.11 antes.


Pensando bem, se inventassem a máquina do sono não adiantaria nada. O dia seria maior, nós preencheríamos todo o tempo da mesma forma e sempre faltaria mais horas por dia [acho que nunca escrevi uma frase com tantos “ia”]. Quem garante que o Australopithecus não tinha que dormir 16h por dia? E nós aqui reclamando por causa de 8 horinhas [pelo menos eu reclamo]. Putz, já são 14h14 em plena terça-feira de carnaval e eu aqui em casa. Ah, o carnaval. Entra na fila.

qUanto tEmpo rEsta?


Já viu aquele teste da morte que está rolando na internet? É um banner que dá uma risadinha irritante quando passa o mouse (claro que você lembra, está em todos os sites, todos). Aquilo é um teste para saber quanto tempo te resta de vida. Na décima vez que vi até tentei fazer o teste pra ver se a risadinha parava de encher o saco. Na verdade é o tipo de coisa que ninguém acredita, mas todo mundo tem uma pontinha de curiosidade de saber (agora eu ia fazer uma comparação engraçada, mas fugiu, igual... igual...).

Cliquei na parada e fechei os olhos. Mas aí pediu o número do meu telemóvel. Nanãnina, já caí nessa uma vez. Se você der o número, fudeu. Daqui a pouco chega uma mesagem que custou 2,50 euros (Oito reais!) só pra receber. Rá! Não faça isso, nem que o banner prometa o paraíso com 100 virgens (que vai custar muito mais do que os 2,50).

Não fiz o teste, mas fiquei com isso na cabeça. Aí apanhei o elétrico para dar uma volta e tudo fez sentido. Um senhor muito arrumado dizia calmamente a outro passageiro: tenho 2 anos e 2 meses de vida. Hã? Na hora pensei, ele caiu na historinha do banner.

Mas aí o outro perguntou, preocupado, o senhor tem alguma doença grave? Não, li hoje no jornal que a expectativa de vida do português é de 72 anos. Completo 70 anos daqui a 2 meses. Portanto, restam-me 2 anos e 2 meses de vida. Portanto, o velório será no dia 13 de fevereiro de 2011. Portanto, queres vir? Portanto, todos viraram o pescoço. Portanto, pensei: campanha integrada.

*não estou recebendo nada pela menção ao teste da morte, juro.

oDisséia dE nAtal

Meu primeiro natal longe de casa foi confuso. A começar pelo peru [ou melhor, a não começar pelo peru]. Porque em Portugal come-se bacalhau no jantar do menino Jesus. Rá. Não é nada pessoal, eu amo bacalhau. Quem me conhece pouco já sabe. Mas é que natal, peru, peru de natal [mamãe preparando o peru de natal], percebeu? Faz todo o sentido. Tudo bem, descobri que no almoço do dia 25 tem peru recheado. Mas não é a mesma coisa. Peru tem que ser no dia 24. Depois é risoto.

Por fim, juntamos alguns "familess" numa casa e fizemos o nosso próprio natal lusitano. E o jantar foi a cargo, vejam só, de moi. Sim, a responsabilidade de compensar as pessoas da distância de seus pais e avós nesta noite tão especial foi depositada em mim. Pensei logo naquele peru Sadia temperado, que é só enfiar no forno e esperar o pininho vermelho saltar. Mas em Portugal não tem pininho, nem tempero pronto. Se quiser um peru tem que matar, depenar, temperar e cozinhar sozinho. A solução foi escolher um prato mais familiar: costela de porco ao pesto e risoto [salve Jamie Oliver, salve Calebe Asafe]. A salada veio direto da Polônia.

Às 20h do dia 24 saltei do elétrico na rua Saraiva Carvalho e cheguei até a Ferreira Borges para preparar o jantar, equipado de temperos e ingredientes na mochila. Mas quando fui pôr a mão na massa, descobri que tinha esquecido em casa um ingrediente muuuito importante, o porco. E não dava nem para pedir uma pizza porque não teria ninguém para entregar.

Corri então para o ponto de táxi mais próximo e peguei o único carro que restava. Por favor, senhor, preciso resgatar uma costela de porco na Baixa Lisboa. No meio do caminho outra surpresa, eu estava sem a chave de casa. Pára o táxi! Meia volta para a Saraiva Carvalho, shifaizfavoire. Quando voltamos, a porta era diferente. Não é aqui, estamos na rua errada! Claro que é, retrucou o motorista [com uma irritação típica natalina], Saraiva Carvalho é esta, ora pois! Não pode ser, acabei de sair daqui, está diferente. Ahhhh, foi quando percebi que a rua certa era Ferreira Borges. Saraiva Carvalho era a rua do Elétrico. Chegando na Ferreira Borges, peguei a chave e fui direto para a Baixa. Subi os 5 andares de casa correndo. Peguei o porco e voltei para fazer o jantar. Ufa!

As últimas esperanças de um jantar feliz estavam depositadas em 2 bocas elétricas de um fogão estranho que eu nunca havia usado antes. Eu precisaria de 3 bocas, mas tive que fazer com 2. E após 1h30 de expectativas e reviravoltas, o jantar de natal mais confuso do mundo aconteceu: costela de porco, risoto e salada polaca. Vualà.

Ainda teve o assalto que a nossa amiga sofreu um pouco antes do jantar, quando foi à rua telefonar para a família. Levaram seu telemóvel [celular]. Situação chata para uma noite de natal. Mas pelo menos não levaram o porco.

Moral da história: não deixe um porco substituir seu peru de natal. Dá azar.

gRampo


- De quem é esse grampo?

- Não sei, não é seu?

- Eu não uso grampo. Anda fala, de quem é esse grampo que eu achei aqui na cama?

...

Meu deus, e agora Ela me pegou, droga Como é que eu pude ser tão estúpido Putz, um grampo vai fuder meu casamento Não é possível que eu caí nessa Que básico, que estúpido, que amador Ou melhor, que amante amador eu fui Nem foi tão bom Foi só uma vez e pronto Já está Passou Tinha até esquecido Acabou Não quero vê-la de novo Estava sozinho pô Foi por acaso Eu gosto tanto dela, não fiz por mal Não muda nada Eu a amo Vai acabar assim Por causa da merda de um grampo Não pode Mas não tem outro jeito ela achou o grampo Vou confessar ela vai me perdoar e vai ficar tudo bem Não não vai Ela nunca vai esquecer isso Vai fingir que esqueceu Fingir que me perdoou Mas não vai Sempre que me deixar sozinho vai pensar será que ele está com outra Nosso casamento vai apodrecer aos poucos até o cheiro ficar insuportável Aí acaba Aí passaram 10 anos Aí meu filho fica sem pais

Peraí, o que que eu estou dizendo? Podia ser pior. E se ela encontrasse um fio de cabelo loiro? Aí sim ia fuder. Um cabelo loiro não se encontra por acaso numa cama. Cabelo loiro é inconfundível. Já diz tudo. Denuncia. Não tem como negar. Impossível. Oh, meu bem, esse cabelo não é seu? Rá, ela não é loira. Vai brotar na cabeça dela um fio amarelão do nada? Óbvio que não. Cabelo loiro é cabelo de amante. Cabelo loiro já vem com pecado em anexo. Cabelo loiro é a maçã proibida. Um fio de cabelo loiro pode destruir o mundo. Lembra da Helena? Um grampo não. Um grampo é plausível. É racional. Pensa só, o grampo foi inventado para deixar alguma coisa no lugar, não foi? Organizar. Arrumar. Disciplinar. Não pode ser uma coisa ruim. Não. Grampo é bom. Que bom que você encontrou um grampo, querida. Aproveita pra arrumar o seu cabelo que está todo em pé. Ele fica bem mais bonito arrumadinho. E outra, você fica muito brava quando eu despenteio o seu cabelo. Furiosa, aliás. Cabelo de mulher não se mexe, você sempre diz. Não vai dar certo. Ela acabou de dizer que não usa grampo. Vou tentar.

- Tem certeza que esse grampo não é seu?

- Claro que não, Jorge. Eu fiz permanente. Anda, de quem é esse grampo?

Puta que o pariu. Permanente. É mesmo, ela agora é meio loira. Ah! Porque não eu não trouxe uma loira? Ia funcionar direitinho. Não seria do mesmo tom, mas aí era só dizer que o fio desbotou com o tempo. Pronto. Morreu a conversa. Ela não ia fazer o teste de DNA. Muito caro. Já gastou o dinheiro do ano todo com os peitos novos. E nem ficou tão bom assim. Ah, grampo, grampo, grampo, como esse grampo ia aparecer? Da janela? Um pássaro trouxe. Aqui é cheio de pombos.

- Pombos.

- O quê? Jorge, o que que você está falando?

Eu falei isso?? Putz. Concentra, concentra. Grampo. Um grampito. Ah, não dá, acabou o tempo. Não sei, vou confessar. É melhor ser sincero. Digo que eu estava com saudades dela, eu transei com outra mas pensei o tempo todo nela. Era ela que eu queria. Minha querida esposa. Ah, por que ela tinha que viajar 1 semana para um congresso de dermatologia? Por que eu não limpei a casa, droga. Peraí, a empregada! Claro, a Dna Maria usa grampo concerteza. Aquele cabelo todo atrapalhado, os fiozinhos levantados. Grampo neles. É isso! Foi arrumar a cama e o grampo, vejam só, caiu!

- Se não é seu é da Dna Maria. Deve ter caído quando ela foi arrumar a cama.

...

...

...

- Vou fazer um café, quer?

- Aham.

eLétrico 28



Outro dia apanhei o elétrico 28 [bonde]. A latinha amarela mais famosa de Lisboa. Sentido Alfama, claro. Era manhã de sábado, e por incrível que pareça, lá estava eu, de pé. Pronto para encarar as ruadelas estreitas e o andar soluçante desta caixinha simpática montada em trilhos. Não dá pra saber como não tomba nas curvas. Parece desafiar as leis da física, da mecânica, da gravidade e do tempo. Não importa. Tem coisas na vida que não precisam de explicação.

E o elétrico de Lisboa está na moda. É cool. É vintage. É indy. Bom de olhar. Não é confortável. Não tem que ser. Sabe aquela maleta de madeira cheia de selos e carimbos de viagens colados por cima? Não que seja a melhor maleta pra viajar, longe disso. Não estamos falando de eficiência. Aliás, não cabe quase nada dentro dela. É desajeitada e ocupa muito espaço. Mas é só olhar para uma que você abre o sorriso. No mínimo aquele de canto de boca que não dá pra segurar. É automático: viu-sorriu.

Miradouro da Graça. É aqui que eu fico.

bOlo dE cEnoura

Se você é brasileiro vai entender essa. Vai entender porque provavelmente já comeu bolo de cenoura com cobertura de chocolate. Sabe aquela que vira uma casquinha depois que esfria? Tudo bem, a outra cobertura melada também é boa. O foda dessa é a lambança. Parece que você está comendo manga ensopada no fondue de chocolate em cima d0 tapete branco da sua tia neurótica por limpeza. A verdade é que você ficou 40 minutos ao lado de um forno a 250º C [523,15 K] esperando o bicho ficar pronto. E mais uns 15 minutos até esfriar [a pior parte]. Comeu. Comeu. Lambuzou. Esse é o troco, meu caro. Mas vale a pena. Depois é só lavar o dedinho dentro da boca. E pegar outro pedaço.

Voltando à casquinha. Eis um dos mistérios da vida. Não dá pra entender como uma cobertura à base de nescau, leite, açúcar e uma colher de margarina pode ficar tão boa. Aliás, a própria massa do bolo é algo inacreditável. Farinha, um punhado de cenoura [previamente descascada], açúcar, leite, fermento, e depois, joga tudo no liquidificador. Fácil. Vrum. Vrum. Encheu de espuminha? Tá pronto. Aí é só despejar o líquido numa forma [tabuleiro em Portugal] untada com manteiga e farinha [a parte que dá mais trabalho em todo o processo]. Lembrou de preaquecer o forno? Relaxa, eu também nunca lembro. Espere até o bolo se desprender da forma. A essa altura você já deve ter feito a calda. Não vou contar a receita porque calda é algo muito pessoal. Melada ou casquinha? Isso constrange muita gente. Finalmente, despeje a calda por cima do bolo ainda quente. Dica: faça uns furinhos no bolo com o garfo. Assim ainda ganha um recheio de brinde. Inacreditável, não? Você acabou de fazer o bolo de cenoura da mamãe [ou da vovó].

Para acompanhar, prepare um copaço de leite com toddy bem preto [o nescau você já usou no bolo]. Agora corre para o sofá senão vai perder o começo da sessão da tarde. Hoje é terça, dia dos Goonies. E tá chovendo.

vEnto dEbaixo


Eu passo aqui, ela passa ali e o vento passa lá, debaixo da saia, revelando a calcinha [preta] distraída e um sorriso cor-de-rosa, quase inocente. Sentei-me no banco mais próximo, na ponta da praça, para ver se passava outra [calcinha, mas não necessariamente preta].

Há praças com fontes, outras com circo e outras com pombos. Esta tinham pombos e o mais importante: o vento debaixo. Parecia mágica. Apressadas, elas fugiam do sinal vermelho e davam de cara, ou melhor, de saia, com o vento quente da estação de metrô. E quando sentiam a grade estremecer, rá rá rá, já era tarde. Saia do avesso e sorriso estampado [o meu e dos transeuntes]. Sempre quis escrever esta palavra: transeuntes. Saias transeuntes. Calcinhas transeuntes. Sorrisos transeuntes. Moralidade transeunte. Chega [de transeuntes, não de saias]. Mais uma, outra e mais outra. Pausa. Dez minutos sem saias. Parece que chegou o outono.

1950
Sento-me no banco para ver se passa outra saia transeunte. Ao meu lado há um senhor, bem velhinho, mas inteiro. Espere, outra saia... vento, vento, vento, yes! Levantou. Comento com ele. Venho aqui todos os dias para ver as saias levantarem, apontei com o dedo, orgulhoso. O senhor também, certo? No que responde: tirei minha carteira de motorista em 1950 e nunca levei uma multa [não sei porque na hora pensei na copa de 50, Brasil e Uruguai]. Tenho 96 anos. Noventa e seis? Nossa, não parece, o senhor está muito bem [e não parecia, acho que depois dos 70 não dá mais para envelhecer].

Revigorado, perguntei novamente das saias [em tom um pouco mais alto, claro]. O senhor viu o vento do metrô levantar a saia daquela menina? Ele sorri e diz, apontando para a vespa estacionada à frente: é sua? Olhei para os seus olhos cansados e disse, sim, é minha [não era]. Passou outra saia do avesso. Ahh, perdi.

a mEsma pRaça

Um casal dengoso. Três crianças ao sol. Um aprendiz de malabarista. Um grupo de adolescentes vestidos de preto [não eram emos, tão pouco new punk rock street guys vintage flowers]. Um bêbado. Segue. Pára. Há outro casal grudado no banco da praça.

Ele, alto, magro, tênis velhos metidos nos pés e blusa listrada de amarelo e cinza. Ela, pequenina, nem magra nem gorda (tá bom, é gordinha), óculos redondos de armação grossa e perninhas curtas. Enquanto conversavam, as perninhas balançam com uma distância considerável do solo: "...conversa vai, pezinhos vêm, conversa vem, pezinhos vão, mas nunca tocam o chão." [não, você nunca ouviu isso antes. Não, não resisti].

Clímax. Algo que ele diz a faz gargalhar. As perninhas balançam mais do que nunca [ou mais do que sempre]. Cada vez mais longes do chão. Ele continua com as pernas largadas e os pés enterrados. Ela flutua. Leve. Satisfeita. As mãozinhas se juntam no cólo concentradas para alcançarem o ponto de equilíbrio. Seu chacra-mór. Seu íntimo [ou isso tudo junto]. Agora entendi porque há vão debaixo dos bancos da praça. Para as perninhas poderem balançar livremente. Sem atrito. Pra lá e pra cá, para cá e para lá. Silêncio. Dez, quinze, vinte segundos. Entreolham-se. Calados. Sorriem. Mais quinze segundos. Ninguém se incomoda. Será o amor? Balança mais pra cá, mais pra lá. Por um segundo desejei ter pernas curtas. Pra lá. E. Pra cá.

aLmofadas


Já reparou que as mulheres gostam de ter muitas almofadas? Não basta uma ou duas ou três. Não, têm que ser 5, 7 ou 9 [10 para arredondar]. Uma de cada cor. É confuso, você está no sofá ou na cama assistindo a um filme e elas estão ali, amontoadas nas suas costas, debaixo do seu braço, no meio das suas pernas, atrás da orelha. A sensação é que você está o tempo todo cercado por aquelas coisas fofas e, por incrível que pareça, não pode fugir. Aí você bate daqui, soca dali pra ver se o problema é com você. Nada. Continuam ali debaixo, fingindo que te confortam, que te esquentam. E olha que eu nem cheguei nas cobertinhas que elas insistem em cobrir vocês dois na hora do filme. Tá calor? Se fudeu.

A verdade é que elas estão ali sufocando você. Igual naqueles filmes. O bandido enterra uma almofada na cara do outro até ele perder a respiração. Ou usa a almofada para abafar o som do trêis oitão. Não, não é igual. É pior. Neste caso as almofadas matam aos poucos, paulatinamente. É cruel. No começo você esmurra a coisa pra ver se melhora. Mas elas sempre voltam à posição anterior. Você faz movimentos bruscos para mostrar que não está satisfeito. No fim, você se acostuma. Entrega-se. É foda, você sabe que não precisa daqueles quadradinhos coloridos te apalpando. Você preferiria ficar no chão frio. Quieto. Pensando em nada. Sua única exigência seria uma parede bem sólida para apoiar as costas. Mas não, você não tem coragem. Você fica ali o tempo todo no falso conforto. Derrotado. Reclamando em silêncio [das almofadas].

tAxi

Noite fria de outono em Lisboa [pelo menos para os africanos e americanos do sul]. Bares e pessoas se fecham mais cedo [ou será fecham-se?]. O fado rouco desaparece na madrugada. O rio volta pra casa. E a rua evapora o último gole de amigos. Você pensa, lá se vai mais um episódio cálido da noite lisboeta. Rá. Aí vem um táxi pra fuder o juízo que sobrou. Clássico.

Já reparou que o táxi nessa cidade é uma verdadeira tragédia? Sim, cada indivíduo que habita essa redoma de lata movida à diesel parece um esboço vivo, senão tosco, da patética figura humana.[prometo que esta é a última metáfora]. Não digo apenas do mau humor que impera no semblante deles, nem das certezas praguejadas pela janela. Talvez esse comportamento seja apenas um acessório obrigatório da difícil rotina deste ofício. Como uma gravata que tem de ser usada. Um crachá. Ou um capacete de obras. O taxista alfacinha é mal humorado porque é preciso ser. E Pronto.

Só para confirmar a teoria, outro dia fui até o ponto de táxi. Chegando lá, aproximei-me do primeiro veículo da fila, cujo dono se encontrava entusiasmado numa conversa com o taxista do segundo carro [os últimos têm que esperar para entrar na conversa]. Esperei paciente as gargalhadas se acalmarem. Satisfeito de ver aquela cena rara, sorri. Está livre? Ao entrar no táxi, meu sorriso continuava latente. Mas quando procurei resposta no senhor do banco da frente [talvez na esperança de me repetir a piada], dei de cara com um retrato incrivelmente grave e sisudo, refletido no retrovisor. Já sem marcas da alegria de 5 segundos atrás. Irreconhecível. Sabe quando o jogador manda a camiseta pra torcida depois de marcar um gol? E logo chega o juíz mostrando um cartão amarelo [é, aquele cartãozinho desnecessário que vai desfalcá-lo na final do campeonato]. Então, me senti igualzinho dentro daquele táxi. Com a diferença de não ter marcado gol nenhum.

No caminho, nem uma palavra. Janelas fechadas. Rádio desligado. O único som que cortava o silêncio era uma tosse seca e ritimada [resultado de 30 anos de marcha pela madrugada]. As curvas eram precisas. A velocidade, constante. Pronto. Chegamos. Nove euros e meio, disse claramente. Dei-lhe uma nota de dez. Fique com o troco e boa noite. Retrucou-me baixinho um boa noite e arrancou no mercedez velho. Incolor. Assim mesmo. Lânguido e deveras lacônico.

rÁ-tIm-bUm

Uma vez fiz 10 anos e ganhei uma festa. Lembro fácil. Estavam lá todos lá. Todas as pessoas que eu conhecia [literalmente]. A família. Os amigos da rua. A família dos amigos da rua. Os amigos da escola. E até uns primos distantes vieram.

Pode ser que a festa não tenha sido grande coisa. Pode ser que muita gente achou aquilo tudo um saco. Não viam a hora de voltar pra casa pra assistir no video-cassete phillips 2 cabeças, o último filme do al pacino [que buscaram mais cedo na locadora]. Pode ser que algumas crianças não se divertiram tanto [principalmente o nosso cachorro que ficou trancado na casinha a noite toda]. Pode ser que não dei atenção para o meu melhor amigo. Pode ser que eu não tenha gostado nem da metade dos presentes que ganhei [o mais provável]. Pode ser que meus pais ficaram mais exaustos do que felizes. Pode ser que meus irmãos acharam a festa deles de 10 anos melhor do que a minha [o mais provável]. Pode ser que os Changeman que eu escolhi para decorar a festa eram toscos, bem diferentes aos da tv [lembra deles? www.youtube.com/watch?v=xwkV8CfyqQo].

A verdade é que eu não lembro exatamente o que aconteceu naquele dia. Muita confusão. Eu não parava de correr. E era o núcleo-mór das atenções [até o meu irmão disputava minha atenção]. Parece que a cada ano que passa essa festa vai ficando maior. E melhor. Pode ser nostalgia. Pode ser ilusão. Pode ser tudo daqui pra frente. Pode ser que um dia essa festa seja o meu abrigo. O lugar onde eu me sinta mais feliz. Ou simplesmente feliz. Peraí, lembrei agora: foi uma festona e todo mundo gostou.

cOntrapeso

Hoje foi um dia estragado. Não, o problema não era a segunda-feira em si. Nada de ó, segunda cruel, já não basta o domingo à noite para deprimir? Blá. Sem essa. Até porque na semana passada a minha segunda foi linda. Completa. Sólida. Eficiente. Criativa. Para não dizer perfeita. Tá bom, foi perfeita.

Acho que segundas como aquela não vêm todas as semanas. É engraçado. Parece um contrapeso. Depois da bonança vem a tempestade. Aí você toma uma paulada distraída na cabeça só pra te lembrar que a vida é dura. É, meu caro, a vida é dura. Não é fácil. Mas é por aí. Paciência. Tudo tem seu tempo. Uma coisa de cada vez. Vai com calma. Amanhã é outro dia. Blá. É uma corrente amarrada no seu tornozelo. Você pode até ser rápido. Correr. Correr. Correr. Longe. Mas ela [a corrente] vai sempre te dar uns trancos no intervalo das passadas. Daqueles que machucam, saca? Não faz você desistir. É só para lembrar: a vida é dura.

Não, definitivamente não é engraçado.

cOnversa dE bAr


Por que não posso ter você agora? É, aqui mesmo. Ou lá fora. Ou dentro de outro lugar. Não me olhe assim. Sei que você quer. Dá pra ver. Você se Incomoda. Iquieta-se tentando controlar a situação. Você transpira isso quando chega perto de mim. Mas você não me quer agora. Nem depois. Você me quer para sempre. Aí eu não posso, bem. Só se for agora. Vamos? Acabou o assunto. Já falamos de você [na verdade você falou de você, eu só ouvi]. Já falamos das coisas, dos tempos e dos espaços. Mas ninguém entrou em detalhe. E o pior é que você esqueceu o dissimulador ligado. Já acabou? Agora me beija. Agora vai embora. Fica. Depois fica um pouco mais. Aí você vai embora, ok? E volta quando quiser.

cOrredor

Não sei o que acontece comigo. Mas toda aglomeração humana que estou metido, viro um corredor [eu disse corredor, não corrimão].

Se estou no meio da confusão ou perto do palco. Rá. Todo mundo me atropela. Sabe cobrança de escanteio? É, aquele momento mágico do futebol em que 20 seres humanos [pingando de suor] se espremem numa pequena área esperando a bola. E enquanto isso, matam-se a empurrões, pisadass e cotoveladas? É por aí. Mas no meu caso não tem tiro de meta, meu caro. Nem dentro da rodinha de amigos estou a salvo. Sempre chega um grupinho de mãos dadas pra furar a roda. E adivinha aonde? Isso, bem na minha frente, claro. Aí fico puto e vou para as bordas [longe do som, lá onde o palco se alinha com o horizonte]. Não adianta. Continuam passando. Encosto na parede para ver se resolve. Piora. Agora além de espremido, encuralado. Chega. O próximo que passar vai levar cotovelada na orelha.

A quarta margem do rio
Uma vez estava numa trance no meio do nada. Bem naquele momento 'sol do meio dia', saca? Quando a cabeça atinge 78º C e você percebe que está ali há 12 horas seguidas fazendo movimentos aleatórios. Ouvindo músicas aleatórias. Rodeado de pessoas aleatórias. Uma puta dor no pescoço. E um doidão vestido de nike vermelho [tênis, calça e agasalho] do seu lado. Ele fica o tempo todo olhando para a própria mão e rindo. Olha pra mão e ri. Olha de novo, ri de novo. Ohhh, rá rá rá.

Por um momento me projeto naquele doidão. Que porra ele tá vendo de tão engraçado na mão? Olho pra minha. Só vejo um tanto de unha mal cuidada e o calo ósseo do meu anelar direito. Unhas. Não sei por que, mas lembrei da minha mãe me xingando quando eu roía as minhas. Pára de comer unha! Falava ela bem rápido [rápido mesmo], num tom de voz estremecedor, com ênfase no 'Pára' e acompanhado de um olhar, mas de um olhar, que não cabe nesse post.

Desisto. Não vejo nada de engraçado na minha mão. O jeito é roer as unhas. Vou roendo, roendo. E o doidão continua lá, quase mijando nas calças de rir. Até que é divertido. Ele ri igual uma iena engasgada. Pensei, pelo menos esse aí não vai passar na minha frente hoje.

Rá.

Passou.

Fdp.