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bUruá, o julgamento final

Resuminho da novela: julgamento do vilão da novela. Eu, um dos figurantes. Meu primeiro trabalho na cena artística de novelas televisivas [e provavelmente o último]. Já expliquei o título no episódio II. Deixe de priguiça e leia-o [isso mesmo, priguiça é com ‘i’, não ‘e’. Rá, te peguei].

Olha quem apareceu, a Escrava Isaura [não é a Lucélia Santos, mas uma das atrizes que trabalhou na novela brasileira mais internacionalmente famosa. Para quem não conhece: http://www.youtube.com/watch?v=c7XpRLtc9w0], está em Portugal e acabou de sentar-se ao meu lado. Ela é uma das testemunhas da novela, casaco de pele, chiclete mascado [desculpe a autoreferência], perfume francês, ou chinês, difîcil de saber hoje em dia, muito laquê na cabeça e um salto alto muito alto, cara, muito alto. E o pior, ela se parece a irmã da namorada do Akeen no filme Prince Akeem, ou simplesmente Um Príncipe de Nova Iorque, no nosso bom português [vale a pena rever: http://www.youtube.com/watch?v=pKYl6y8qGqw]. Ah, esqueci de dizer, na novela ela se chama Maria.

Opa, pediram mais buruá. Lembra o que é? Isso, fingir que estamos cochichando com o colega ao lado por causa de algo bombástico que ocorreu. Essa é a melhor parte.

Ixi, a Maria não pára de tossir. “O tempo que a gente passou giro lá em África”. Um mini-buruá agora. O contra-regra está com uma expressão estranha, vai falar alguma coisa: “Pessoal, peço que aguentem [o novo acordo ortográfico matou o trema, ainda bem, era um saco procurar a bagaça na word] só mais 5 minutos SFFVR [tradução: Shifazfavoire]”. Só mais 5 minutos? Estou quase desistindo do cachê para ir embora mais cedo. Agora eles querem reações de toda a gente. Vamos trabalhar figurantes. Os verdadeiros operários do entretenimento. Ação. Corta. Ação. Corta. Putz, assim não dá, a tiazinha tem 2 falas curtas e não dá conta de decorar o textículo. Respira e inspira... Bom, enquanto ela decora o texto eu vou explicar o que está acontecendo. A lavadeira do acusador é a Escrava Isaura ao meu lado, que engravidou dele no passado. E um tal de Major Gordo que salvou ela da Guerra de Angola, mas infelizmente o bebê não resistiu. Entendeu? Ah, não consigo parar de bocejar e o brazuca ao meu lado só fala de comida.

o Almoço
Demorou mas chegou, hora de rangar. Todos saem correndo seguindo o cheiro da carne mal passada que flutuava no ar [o cheiro, claro]. Até que a aparência da comida era boa. Mas o gosto. Ah, o gosto. Adivinha? Isso, hospital. Nessa altura do campeonato, digo, julgamento, qualquer proteína serve. Cá entre nós, suspeito que os condenados comem melhor que os figurantes. Ok, a sobremesa era boa. Pudim de leite. Depois café, cigarros, mais conversa com meus novos amigos e volver.

A advogada está discursando sobre a cliente. “É uma mulher frágil e aterrorizada e obstante a isso ela se arrependeu do que fez”. O mais surpreendente dessa novela é um tiozinho que segura o microfone ambiente na ponta de uma vara muito comprida. Os braços dele não páram de tremer, mas ele continua lá. Firme. Cinco metros de vara esticada com um microfone de 2 quilos na ponta. O dia inteiro assim. Recolhe a vara, estica a vara. Não pode balançar. Clap, clap. E eu reclamando de ser jornalista. Mas também não é fácil anotar e anotar. Olha a câmera, quer dizer, não olhe a câmera. Vou aparecer de novo, êêêê. Alô mamãe. “Não sabes o que dizes”. Não sei mesmo, só estou autorizado a falar no buruá e tem que ser baixinho. “Quando quiseres, 3,2,1, ação.” Mais reações. Buruá, buruá, chuvas de buruá. Pausa, momento de tensão. Parece que há algum delay entre o contra-regra e a galera do furgão. Pronto, ligaram o gelo seco no talo. Fumacinha dramática para o veredicto. Opa, vai acabar, uhuuu. Vamos ouvir: “Sara Maria das Dores Fernandes Gertudres da Costa Ferreira [esse é o nomezinho dela], a senhora é culpada por tentativa de homicídio e será condenada a...”, ah? O quê? O brazuca me cutucou de novo para mostrar uma mulher do outro lado da platéia. Perdi o veredicto. Putz! E nem era tão bonita assim. E agora, não vou conseguir dormir em saber quantos anos ela pegou de xadrez. E pra finalizar, ouvi o contra-regra falar para o diretor: “está feito, seja o que Deus quiser”.

É, acho que o meu primeiro dia de ator co-co-co-co-adjuvante fica por aqui. E como diz uma amiga epanhahola
“Es una experiencia, ¿no?”. Bom, vou lá pegar o voucher do meu cachê, despedir-me dos meus amigos figurantes, dar o msn errado e voltar à realidade. Se é que isso existe.

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