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bUruá, ato II

Resuminho do episódio anterior: fui fazer um trabalho como figurante numa telenovela, o primeiro da carreira [e provavelmente o último]. O episódio se passava num julgamento. Intrigas, confusões e reviravoltas. E nós figurantes assitíamos a tudo de camarote. Ah, e tem o título que ainda não expliquei. É para dar um mistério, sabe como são as novelas.

10h30
Atenção às falas dos atores: “acha-se uma mãe extremosa e uma mãe exemplar ou tens telhado de vidro?” [imagina o que ela respondeu?]. Outra, “Enquanto nós estivemos juntos, desliguei-me a ele por completo” [sabe quando você fica procurando a profundidade na frase? Então]. “Silêncio no tribunal”. Olhando para esse tribunal make up lembrei de já passou pela minha cabeça ser advogado. E não é à toa, adoro filmes de tribunal, com todas aquelas disputas de oratória, investigação, surpresas sem fim, o advogado fodão cheio de cartas na manga, e claro, a expectativa do veredito [opa, fugiu o “c”]. Mas ainda bem que não escolhi advocacia, porque o direito tupiniquim e também o lusitano não têm nada disso. Aqui impera o direito Romano [constitucional, burocrático, chato]. E apenas em ocasiões muito especiais, como homicídios, é que eles montam o teatrinho com júri popular e o caraças. O outro lá chama-se Comon Law, não tem constituição, é uma festa, mas a bagaça funciona, até demais. Uma vez li que um ladrão estava no telhado de uma casa e a telha quebrou. O ladrão caiu, fraturou a perna e depois processou a dona da casa. Na Alemanha todo mundo tem um advogado pago mensalmente. Igual TV à cabo. E você ainda pode escolher se quer depósito automático ou boleto bancário. Sucesso.

Que saco esses atores de novela, erram toda hora. Alguém precisa implementar [ou seria implantar?] um programa de optimização do tempo e um outro de memorização para os atores. Estou aqui há 3 horas e ainda não passaram de 10 falas. Vamos gente, a fome está apertando e eu não pretendo ficar aqui o dia todo a esperar o talento de vocês chegar. “Quem está em julgamento não é a testemunha”. Mais essa. Cara, é o meu estômago que está em julgamento aqui. Ahhhhh que fome. Hora da pausa. Será que já tem rango?

12h30
Putz, nem cheiro da comida. Mas vi uns porcos pretos alantejanos passando ali fora. Bom sinal. Opa, a câmera está apontando pra mim, vou aparecer na tv. Alô mamãe. Estão filmando uma atriz que sentou do meu lado, não sei o nome dela mas fiquei ela trabalhou na novela A Escrava Isaura, olha que sucesso. 1, 2 e ação, muita tensão, estou nervoso. “Uma amante que a espancava”. Estão falando de mim? Putz! Eu nunca espancaria minha amante, nem minha mulher, nem ninguém. Ninguém é exagero, mas ninguém que não merecesse. É, não ajudou. Eu não fiz nada, sou inocente. “Foi uma missão quase impossível…” Putz, olhei para a câmera. Será que vão me despedir? É que está muito perto, não resisti. Ninguém viu. Agora pediram pra gente fazer um buruá. É a reação do público, comentários e tal. O nosso famoso zum-zum-zum. Daí o título. Pensei em explicar isso só no final, mas prefiro o jeito europeu de contar histórias.

Lembra da família dinossauro? Então, a atriz principal da novela é uma figuraça de 200 anos e uma mistura da mãe do Dino com Derci Gonçalves. Simpática. Já comentei que o motorista que nos trouxe também é um dos figurantes? Pois é, mas ele tem um papel melhor. É o guardinha do tribunal e amigo do carinha da produtora. Portanto, o cachê dele é maior que o nosso [a vida imita o filme. No caso, novela]. Tudo bem, o motorista é boa gente, um português da região de Saloio e que já está nessa carreira [de figurante] há não sei quantos anos. Disse também que é surfista [se é de verdade eu não sei]. Ele contou que uma vez teve que fazer o papel de amante num scketch de terror. Uma cena com muito sangue, sexo, morte e tudo mais [ou menos]. Beleza. Um dia estava ele, a mulher e os cunhados num restaurante, e para a surpresa geral, o scketch passou na tv. Todos riram, claro. Mas ele ficou todo vermelho e quase fugiu para debaixo da mesa. Rá, se fosse no Brasil o sujeito subia na mesa e gritava bem alto: oiá eu ali na tv! Sou eu, oiá. Eu tô na tv [seguido de uma palmada forte no peito]. É diferente.

Meu Deus, olha quem apareceu…

*ah, gostou da expectativa no finalzinho? Estou ficando bom nessa história de novela.

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