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vEnto dEbaixo


Eu passo aqui, ela passa ali e o vento passa lá, debaixo da saia, revelando a calcinha [preta] distraída e um sorriso cor-de-rosa, quase inocente. Sentei-me no banco mais próximo, na ponta da praça, para ver se passava outra [calcinha, mas não necessariamente preta].

Há praças com fontes, outras com circo e outras com pombos. Esta tinham pombos e o mais importante: o vento debaixo. Parecia mágica. Apressadas, elas fugiam do sinal vermelho e davam de cara, ou melhor, de saia, com o vento quente da estação de metrô. E quando sentiam a grade estremecer, rá rá rá, já era tarde. Saia do avesso e sorriso estampado [o meu e dos transeuntes]. Sempre quis escrever esta palavra: transeuntes. Saias transeuntes. Calcinhas transeuntes. Sorrisos transeuntes. Moralidade transeunte. Chega [de transeuntes, não de saias]. Mais uma, outra e mais outra. Pausa. Dez minutos sem saias. Parece que chegou o outono.

1950
Sento-me no banco para ver se passa outra saia transeunte. Ao meu lado há um senhor, bem velhinho, mas inteiro. Espere, outra saia... vento, vento, vento, yes! Levantou. Comento com ele. Venho aqui todos os dias para ver as saias levantarem, apontei com o dedo, orgulhoso. O senhor também, certo? No que responde: tirei minha carteira de motorista em 1950 e nunca levei uma multa [não sei porque na hora pensei na copa de 50, Brasil e Uruguai]. Tenho 96 anos. Noventa e seis? Nossa, não parece, o senhor está muito bem [e não parecia, acho que depois dos 70 não dá mais para envelhecer].

Revigorado, perguntei novamente das saias [em tom um pouco mais alto, claro]. O senhor viu o vento do metrô levantar a saia daquela menina? Ele sorri e diz, apontando para a vespa estacionada à frente: é sua? Olhei para os seus olhos cansados e disse, sim, é minha [não era]. Passou outra saia do avesso. Ahh, perdi.

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