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tAxi

Noite fria de outono em Lisboa [pelo menos para os africanos e americanos do sul]. Bares e pessoas se fecham mais cedo [ou será fecham-se?]. O fado rouco desaparece na madrugada. O rio volta pra casa. E a rua evapora o último gole de amigos. Você pensa, lá se vai mais um episódio cálido da noite lisboeta. Rá. Aí vem um táxi pra fuder o juízo que sobrou. Clássico.

Já reparou que o táxi nessa cidade é uma verdadeira tragédia? Sim, cada indivíduo que habita essa redoma de lata movida à diesel parece um esboço vivo, senão tosco, da patética figura humana.[prometo que esta é a última metáfora]. Não digo apenas do mau humor que impera no semblante deles, nem das certezas praguejadas pela janela. Talvez esse comportamento seja apenas um acessório obrigatório da difícil rotina deste ofício. Como uma gravata que tem de ser usada. Um crachá. Ou um capacete de obras. O taxista alfacinha é mal humorado porque é preciso ser. E Pronto.

Só para confirmar a teoria, outro dia fui até o ponto de táxi. Chegando lá, aproximei-me do primeiro veículo da fila, cujo dono se encontrava entusiasmado numa conversa com o taxista do segundo carro [os últimos têm que esperar para entrar na conversa]. Esperei paciente as gargalhadas se acalmarem. Satisfeito de ver aquela cena rara, sorri. Está livre? Ao entrar no táxi, meu sorriso continuava latente. Mas quando procurei resposta no senhor do banco da frente [talvez na esperança de me repetir a piada], dei de cara com um retrato incrivelmente grave e sisudo, refletido no retrovisor. Já sem marcas da alegria de 5 segundos atrás. Irreconhecível. Sabe quando o jogador manda a camiseta pra torcida depois de marcar um gol? E logo chega o juíz mostrando um cartão amarelo [é, aquele cartãozinho desnecessário que vai desfalcá-lo na final do campeonato]. Então, me senti igualzinho dentro daquele táxi. Com a diferença de não ter marcado gol nenhum.

No caminho, nem uma palavra. Janelas fechadas. Rádio desligado. O único som que cortava o silêncio era uma tosse seca e ritimada [resultado de 30 anos de marcha pela madrugada]. As curvas eram precisas. A velocidade, constante. Pronto. Chegamos. Nove euros e meio, disse claramente. Dei-lhe uma nota de dez. Fique com o troco e boa noite. Retrucou-me baixinho um boa noite e arrancou no mercedez velho. Incolor. Assim mesmo. Lânguido e deveras lacônico.

Um comentário:

brunaguerreiro disse...

pelo menos esse era normal