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bUruá - ato I

Hoje foi a minha primeira experiência como figurante de telenovela. Êh! Na verdade é a minha primeira vez em qualquer tipo de figuração, pelo menos que pagasse cachê. Ainfal, quem nunca pagou de curioso em reportagem da Globo? Daqui a pouco explico o título, calma.

Mas nem tudo são flores [ou melhor, não tem flor nenhuma]. Daqui a pouco você vai entender isso também. Bom, pra começar o horário é ingrato, 7h30 da madrugada foi o combinado para chegar no ponto de encontro. Uma churrasqueira no Campo Grande. Putz! Foi o que o carinha da produtora me disse pelo telemóvel no dia anterior. É, você tem que ir numa produtora especializada nesse tipo de serviço, levar um retrato e uma foto de corpo inteiro, preencher uma ficha e esperar alguém te ligar.

Ligou ontem. Tô sim, ah tá, 7h30 lá, né? Ok. Até já. Churrasqueira o quê? Tum, tum. Rá! Pra variar, fui dormir às 3h47 da matina no dia anterior. Adivinha a hora que acordei? Isso, 7h30 em ponto. Pulei da cama e voei para o táxi. Só nessa brincadeira gastei 5 euros e 15 cêntimos do meu cachê [o que já representa 20% do montante]. Mas não podia faltar logo no primeiro dia. Foda. No caminho o carinha da produtora ligou umas 3x para saber se eu viria. “Tô chegando, o taxista que errou o caminho”, seguido de um sorriso amarelo para o tiozinho do táxi. Nem vou comentar a cara que ele fez. Fazer o que, a vida é dura. Cheguei na churrasqueira, entrei na van e simbora para o estúdio. É em Lisboa? Perguntei inocentemente. O carinha apenas sorriu e disse, é sua primeira vez, não é? Sim, é.

Segue a viagem ouvindo 20Km de conversa do carinha da produtora dizendo para o motorista que ele [o carinha] tinha surfado ontem pela primeira vez e já conseguiu ficar em pé na prancha, pegar altas ondas e ainda faturar a gaja que estava dando mole pra ele na praia. Rá!

No estúdio
Oito e trinta da manhã. 18 figurantes sem pequeno-almoço e uma máquina de café que dava medo pelo acúmulo de ex-cafés. Uns se arriscavam, principalmente os mais novos, outros não. Eu sim. Meu olhos estavam inchados de sono. Conversa aqui, conversa ali, afinal tinha que descobrir como funcionava esse mundo quase artístico da figuração. Todos ali já faziam isso há algum tempo. Uns eram figurantes profissionais, com curso e tudo mais [brincadeira]. A maioria eram aposentados, estudantes e pessoas com trabalhos flexíveis [entenda como quiser]. Chega o contra-regra para nos dar os papéis e explicar como ia funcionar a bagaça. A cena era o julgamento do vilão da novela. E nós seríamos a platéia, uns policiais, outros fotógrafos, outros apenas platéia e outros, como eu, jornalistas. Ganhei um bloquinho de papel, uma caneta e um sorriso forçado do contra-regra.

Chegou a hora. Entramos no set, onde estava montado o tribunal. Nota 5, na minha avaliação. Mas como ainda não sabia direito o nâipe da novela, achei melhor não comentar a decoração do lugar [tudo tem o seu público, não é?]. Na frente da platéia tinha uma mesa grande em formato “U” com os atores já a postos. Sentamos em nossos lugares e ação. Basicamente o que tínhamos que fazer era fingir que anotávamos o que se passava em cena. Então comecei a escrever este post. Pelo menos ser jornalista serviria para alguma coisa [que ironia]. Opa, escutei a palavra amante. É melhor prestar um bocadinho de atenção. Entendi, o réu é a mulher do vilão da novela, que está sendo acusanda de tentativa de assassinato porque empurrou o marido do elevador. Mas ele sobreviveu, claro. Fingiu que estava morto e apareceu na novela um tempo depois para a surpresa dos fãs [que também são testemunhas, mas pelo menos não precisam sair de casa às 7h30].

Pausa, outro café e muitos cigarros. Dez minutinhos de conversa com meus novos amigos. Bora voltar, pessoal. Gravando. Sentada ao meu lado, uma tiazinha espiava minhas anotações e ria o tempo todo enquanto mascava chiclete de boca aberta. O cabelinho dela era laranja na altura dos ombros, mal penteados. Rosto queimado de sol, e se não fosse pela arcada dentária peculiar, jurava que ela era a irmã do nosso saudoso Zacarias - pra quem ainda não conhece, http://www.youtube.com/watch?v=hciCWpKUC9k. O que você tanto escreve, ela perguntou. Ah… é para o meu blog, respondi. Eu também tenho um blog, de artesanato, respondeu. É mesmo? Sim, mas faz tempo que não atualizo. Em seguida anotou o nome do blog no meu bloco. Juro que procurei depois, mas não encontrei nada com aquele nome. Até tentei pesquisar assim no google: artesanato +irmã do zacarias. Nada também.

Bom, vou prestar atenção no julgamento. “Eu sempre fui uma mãe exemplar”, disse o réu. Essa novela é popular. Apenas cinco mentros e um cercadinho de madeira é a distância que nos separam de alguns atores famosos da TV portuguesa. Não reconheço nenhum. Engraçado, provavelmente tomei café há pouco com o Tarcísio Meira português achando que ele era mais um profissional com horários flexíveis. Rá! Se fosse no Brasil não deixariam chegar nem perto do segurança. Apesar de nunca ter sido muito ligado ao elenco global, seria interessante trocar uma idéia com um Raul Cortês da vida [quando ele era vivo, claro]. Agora, conversar com o povo da Malhação não deve acrescentar muito. Opa, o contra-regra mandou parar tudo. Problemas técnicos. Derrubaram a câmera. Corta! Quer dizer, quebra! Ah, ele é careca [o que isso tem a ver, né? Mas não deixa de ser a maior referência dos carecas, fazer o que]. Cinco minutos depois voltam a contracenar. “Uma mulher perfeitamente normal” disseram. Pensei comigo, tudo bem que ela está tentando se defender, tem todo o direito, mas afinal, uma “mulher perfeitamente normal” é uma coisa boa ou ruim?

9h30
O jornalista do meu lado, um garoto de 19 anos, parece um cafetão dos anos 50. Franja nos olhos, jeans rasgado, casaco de couro preto, corrente no pescoço e óculos escuros tipo aviador. Toda hora vez que passa uma mulher ele me cutuca com o cotovelo, faz uma cara de Latin Love e solfeja um nooossa, meu deus. Enquanto isso no tribunal, “um verdadeiro monstro, um Adasmastor”. Pô, Adamastor é bom, não é? Pelo menos o que tem em Lisboa é óptimo pra tomar uma cerveja no final da tarde. Galerinha alternativa, pá. Vale a dica. Mas monstro mesmo era o italiano que morava em casa, nós o chamávamos assim pelo jeito delicado de comer. Saudade do Michele. Abração, velhinho. Neste momento ele está no Brasil, em Ilha Bela, com a namorada brasileira. Ele que faz direito e sou eu que fico no tribunal. Outra ironia. “Corta só um bocadinho”, disse o contra-regra. Pô, o carequinha é exigente.

Continua…

*Eu sei, ainda não expliquei o título. Calma.

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